domingo, 15 de agosto de 2010

exercício de concentração

Coisas, cheiros, barulhos, cores.

Risadas, piadas, estórias.

O mundo lá fora e você aí dentro, do alto de sua torre.

Não, torre é coisa pra nobres, gente digna - você é só um velho noia no alto de um pico molhado. Barba por fazer, vendo os rios correrem, até darem naquela cachoeira, onde os animais vão se banhar e alguns jovens vão de vez em quando para simplesmente serem.

Quando foi a última vez que você tomou um gole d'água?

O que será que pensam aqueles jovens ricos em seus carros do ano e suas conversas frívolas quando te olham, hein, velho noia? Se é que te veem, né? Talvez se compadeçam. Provavelmente vão conjecturar sobre a sua vida, o que te levou até lá. "Esse maluco deve ter tomado um chá de fita fodido." "Ou comeu algum cogumelo aqui nesse pico e nunca mais voltou pra casa. Que bad."

Mal sabem eles, não? Que seus problemas são outros... que você não perdeu o rumo de casa, não - você abriu mão, isso sim. Você abriu mão do mundo. O mundo já parecia ter aberto mão de você há muito tempo, então você finalmente criou coragem pra abrir mão do mundo.

-------

Ou talvez não. Talvez sobre toda essa aparência calculadamente vitimizada... Porque quem nunca às vezes precisa se distanciar do mundo? O velho se concentra. Sente o ar úmido entrar e sair por suas narinas. Pisa com os pés sujos na grama molhada. Tudo, tudo, tudo é gelo - tudo é um cadinho ardente. E ele deixa o gelo daquele limbo se fundir com sua pele... E nada mais. Nada mais importa. Por que ele está lá? Por que ele está sozinho? Por que ele não se assusta com a solidão gelada do pico?

Nada disso importa. Ou talvez tudo, tudo importe - não ao redor dele. Ao redor do mundo. Dizem que ele é um maluco, que ficou louco de "preda". Talvez ele seja uma pedra, ao se recusar a girar junto com o mundo.

Mas, querendo ou não, a pedra está muito mais integrada ao mundo do que todo o resto. Onde termina a pedra e onde começa o resto do chão, do monte, do relevo?

A pedra tudo sente. Tudo, tudo sente. Tudo lhe afeta.

Mas nada lhe assusta. Nada lhe mata.

-----

Ai que pira.

aninhado

(me desculpa, texto. você não merecia ser escrito agora. desculpa mesmo. mas se não fosse agora, não seria nunca - melhor assim, bem meia-boca do que morto dentro de mim, né?)

Hoje quero dormir tranquilo. Tranquilo feito um passarinho azul encarapichado no alto de uma árvore num sítio bem simples...

Sabe, vida de passarinho num sítio tranquilo? Assim, levantar com os raios do sol quentinho, desce, pega uma minhoca, volta. Depois vive, tem filhos, e morre, assim, sem muito drama, nas mãos de um bicho maior. De repente - CHUFT! - morreu.

As coisas, simples, nuas, diretas, desse jeito. Afinal, o que são as coisas e os fatos? São somente... acontecimentos. Nada mais. A gente é que dá valor a eles, né? Uma caneta que cai é só uma caneta que cai. Água, água é só água. Um olhar é só um olhar. Um sorriso às vezes é só um sorriso - ué, quem disse que as alegrias e as felicidades tem que ter motivo? Precisa, oxe? Porque ela não pode, simplesmente, chegar, tal qual o passarinho - NHACT - pega a minhoca. Precisa tudo ter motivo, razão ou circunstância?

Não, hoje não. Hoje as coisas são simples. Poderia estar conjecturando, sonhando, com chãos pra pisar, céus e sóis para ver, horas para vivenciar, sensações para sentir, pessoas para tocar, trocar, música pra se cantar... Mas não, hoje não. Hoje quero só sentir o que está ao meu alcance - os tecidos, as temperaturas, as luzes. As falas, os barulhos. Os sonos.

E talvez, também, sonhos. Como somente o que são - sonhos, sonhos, deliciosos sonhos. E nada mais.

Boa noite!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Poesia de intervalo beletrista

O amor
É uma dor
Que dá calor
E causa fervor

por Maitê Scavasin e Paulo Araújo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

my brown eyes

(ia trocar o título mas acho que combina. por n motivos.)
Parece que, depois que a gente morre, a última imagem do que vimos fica gravada na nossa retina. Se é verdade, não sei. Mas talvez seja.

Ontem antes de dormir e hoje ao acordar, mais uma vez fui invadido por uma sucessiva chuva de imagens que já passaram por meus olhos. Algumas acabam sofrendo um Photoshop mental aqui e ali, né? Às vezes até sem querer, demora pra gente reparar que certas memórias não se passaram exatamente do jeito que a gente lembra. Mas ah, são memórias mesmo. Nada representam. São suas, total e completamente suas.

Porque, sim, o processo de memórias é totalmente solitário, não se iluda você; e não fique putinho quando você perceber que este ou aquele fato que você dividiu com outras pessoas parece ter passado mais despercebido que um dente de leão no meio de um terreno baldio (aquele, que só você viu, correu até lá pra assoprar e depois saiu correndo gritando pra te esperarem e simplesmente voltou pro cinza urbano). Quantas vezes você já não fez isso com os outros também, oras? Isso acontece. É assim que a gente funciona ou aprendeu a funcionar. Paciência.

Sendo as memórias de propriedade exclusivamente particular, cada um brinca com elas como queira, certo? Eu às vezes brinco de slideshow com as minhas. Não vou me lembrando muito de cenas inteiras, filminhos... não - gosto das minhas memórias organizadas como fotos em minha retina. As estruturas de roteiro de cinema ou até de videoclipe eu costumo guardar pras projeções: o que vai acontecer, o que pode acontecer, o que poderia, o que deveria, o que nunca vai... Essas sim eu amarro como filme. Pro que já passou, uma imagem, aquela, a crucial, a derradeira, basta. Uma imagem.

Ao ser atacado por várias imagens, todas, ao mesmo tempo, de memórias diferentes, que remetem a sentidos e sensações diferentes, nas primeiras horas da manhã, onde o cérebro ou se prepara pra desligar ou acabou de reiniciar, sou atacado por uma inquietude. Fico ali, me revirando, de olhos fechados, deixando meu cérebro ser atacado e sentindo uma agonia.

Agonia, daquelas dignas de leito de morte. Talvez fico ali, esperando ela chegar, quase pedindo que ela chegue, sem de fato querer de verdade, mas sentindo que ela vem. Será que é esse o flashback que dizem que se sente na hora da morte? O show de imagens da retina.

Pra, no fim, ficar estampado o teto branco encardido e escuro de um quarto gelado e sem-graça de um condomínio classe média qualquer. Não me parece nada justo.

Se eu pudesse escolher a última imagem que vai ficar gravada na minha retina, qual seria?